quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Marujada

Na cidade de  Jacobina tem:  A Marujada




A MARUJADA DE JACOBINA (*)
SUZANA ALICE MARCELINO CARDOSO
Bahia, Brasil


<<A1erta, alerta quem dorme!
Saia moça. Na janela,
Oi venha ver a. triste vida
Que 0 pobre maruja leva!»
(E o canto que, há. mais de duzentos
anos, entoam <<matinas>>, nas festas de São Benedito e Santo Antonio, os marujos de Jacobina (1), despertando a população.)


1. Auto popular, a Marujada é documentada ao Norte- -Nordeste do Brasil, quer sob esse nome, quer sob as designagação e chegança de marujos, chegança, de mouros, chegança simplesmente, barca, nau Catarine ta e fandango, revestindo-se,
conforme a região, de características especificas. As peculiaridades que distinguem as apresentações de uma para outra área dizem respeito não são a diversidade de textos recitados ou cantados, mas também a própria forma de apresentação e a composição do grupo, em alguns lugares constituído de mulheres, como indica CAMARA CASCUDO (2) para Marujada do Para, em outros, exclusivamente de homens, como é esta da qual nos ocupamos.
2. A Marujada de Jacobina sai sistemática e unicamente nas festas de Santo Antonio, padroeiro da cidade, dia 13 de Junho, e de São Benedito, santo muito festejado no município, ao qual são feitas e pagas muitas promessas, principalmente no seu dia, festa móvel no calendário cristão, realizada na segunda-feira imediata ao domingo de Pentecostes. Saem nessas duas festas porque estas eram, segundo a explicação da nossa informante, dona Antonia Francisca de Paula (3), as <<devog6es dos negros>>. -
A apresentação segue um ritual desenvolvido em três tempos:
1° <<Fazem a matina», isto é, desfilam muito cedo, pela madrugada, cantando 0 <<Alerta, alerta quem dorme>>. Saem
da Missão, bairro antigo da cidade, onde se situa a primeira igreja, construída no inicio da catequese dos índios, em 1626, e chegam até a porta da Igreja Matriz. Ai dançam, soltam foguetes e fazem a primeira homenagem- ao santo do dia, para logo a seguir retornar ao local da concentração.
2.° Retorno a Igreja Matriz, para a missa solene da festa,
sempre por volta das nove ou dez horas. i
3.” A terceira apresentação se faz a tarde e consiste em
acompanhar a. procissão em louvor do santo.
Cumprido o ritual, e apos ultima das três saídas,
tornou-se habito a Marujada ser recebida pelas famílias. Assim,
terminados os compromissos religiosos, os marujos percorrem
a cidade, visitando as casas de família, onde dançam, cantam,
recebem a homenagem da população e são obsequiados com
doces e bebidas. Depois de uma jornada tão intensa, recolhem-se
e ficam no aguardo da próxima festa ou do próximo ano.
3. A estrutura organizacional da Marujada é fixa, definida
através de postos hierárquicos assim identificados: um almirante, que é o mestre,
dois generais, dois capitães, um contra--mestre, calafates geralmente em número de seis,
 e marujos em número variável. Dispõem-se na seguinte ordem, quando
da composição do grupo para a apresentação: a frente o mestre
com a sua batuta (v. figura 1), ladeado pelos generais, que
ostentam espadas, e entre aquele e estes os calafates: seguem-se
os marujos e por fim 0 contra-mestre (v. figura 2), tendo a
seu lado os capitães. A frente de todos e <<puxando>> —como
dizem— a Marujada esta o violeiro. ‘
Os marujos, termo que identifica genericamente os participantes do grupo,
.independente da sua <<patente>>, são pessoas
de diferentes idades, que vivem a sua própria vida, trabalhando
em profissões diversas, e se refinem a cada ano, conservando-se
na sua maioria, mas sempre havendo defecgoes e novas participações,
para os ensaios que recomeçam sempre em Janeiro.
Os calafates são meninos cuja idade não ultrapassa os quinze
anos. Os oficiais, isto é, generais, capitães e contra-mestre
são escolhidos livremente. O almirante, porém, não é cargo
que se ocupe nem por idade nem por livre escolha, mas por
direito adquirido em virtude de pertencer a uma das duas
famílias —os Labatut e os Caranguejo —, as duas grandes
<<dinastias>> que sustentam a Marujada. Os componentes da
Marujada foram, desde a origem, pessoas negras, como o são
os que constituem as duas famílias em torno das quais se
alternam a sua direção e o seu comando, a família Labatut
e a família Caranguejo. Com 0 passar dos tempos, pessoas
de outras etnias começaram, ainda que parcimoniosamente, a
integrar 0 grupo que desfila, representando-se principalmente
na categoria dos calafates.
4. Os instrumentos usados são dois pandeiros, uma viola,
pandeirinhos tocados pelos calafates e castanholas pelos
marujos. Os oficiais, generais e capitães, usam espadas, 0
mestre e 0 contra-mestre tem batuta. Os textos recitados
são da competência dos oficiais que dão ordens; aos marujos
cabe responder a estas, cantando.
Os textos recitados se constituem, em ordens de variado
tipo. Ordem de saída, dada. pelo mestre:
<<Sendo Santo Antonio (‘)
Tesouro de alta categoria,
Hoje se acha. em cadeia. (5)
Anunciando a Maria».
A esta se seguem outras ordens, emitidas pelo contra-
-mestre, que declara:
<<Sou um contra-mestre pimpão,
Trago granadas no peito
E jóias de ouro na. mic».
e pelo capitão que acrescenta:
<<Contra.-mestre e calafates,
Tiro todos aqui de parte
Como capitão diretor,
Que a. voz va de canto a canto
A fim de louvarmos o glorioso santo».
d) cantos de despedida, como:
<<Oi já nos déi o coração
E os olhos de chorar,
Quando 0 contra-mestre manda
Pra ribeira embarcar!»
A temática dos cantos envolve, de um lado, insistentes
referências a vida do mar, at marinhagem; de outro, alude as
terras do antigo colonizador, ao mencionar Portugal, Porto,
Lisboa e a cidade de Vaganga, muito provavelmente Bragança.
5. A vestimenta nem sempre foi a mesma. Nos começos
era um uniforme branco completo, isto é, calça e palitó, todo
enfeitado de fita com lagos apregados. Na cabeça, usavam
uma carapuça que se mantinha erguida, armada, acabando
em forma. de funil, enfeitada de espelhos, fitas e ramos de
folheta, vestimenta que perdurou até 1931. A partir de então
os marujos passaram a usar roupa de marinheiro, branca com
azul marinho na festa de São Benedito e branca com vermelho
na festa de Santo Antonio.
6. A Marujada de Jacobina, como declarou nossa informantes,
<<tem seguramente seus duzentos e muitos anos e os
seus fundadores vieram de outras terras», argumentando com a
 citação de um trecho dos muitos cantos:
<<Meu padrinho São Benedito, espelho de Portugal»,
para concluir ela mesma: <<Se fosse daqui, por que ia falar
‘espelho de Portugal’?>>. Teria, na sua afirmação, origem, por-
tanto, no séc. XVIII, no que coincide com a datação proposta
por SiLvI0 ROMERO (’) para manifestação congênere, documentada no rio Grande do Norte. <
O posto mais importante —o de mestre, ocupado pelo
a1mirante- esteve sempre na mão de duas famílias -—0s
Labatut e os Caranguejo —, que o mantém numa sucessor
dinástica, alternando-se ou não, mas sempre assegurando-lhes,
e nunca transferindo a outras famílias, a primazia e o direito
de conduzir a Marujada. Dos nomes mais antigos, ligados a
histéria dos marujos, tem-se memória de João da Mata,
Benedito Caranguejo, José Labatut, Antonio dos Capins, além
do Caranguejo Velho, 0 Benedito Caranguejo, do qual era
sobrinho e afilhado João Caranguejo Novo, o João Vicente
de Deus. As famílias Labatut e Caranguejo seguiam as
determinações do velho Benedito Caranguejo e depois de João
Caranguejo e de seu. sucessor Manoel Vicente de Deus. Dos
primeiros que trouxeram a representação para a cidade, a
memória popular não guarda os nomes, nem conhece a historia.
Sabe-se, como declarou nossa informante, que vieram de fora.
Durante muito tempo esteve na mão dos Caranguejo 0
comando da Marujada. Com a morte de Manoel Teodoro
interrompe-se a cadeia sucessória dessa família e um autêntico
Labatut, Joaquim Francisco de Paula, ocupa 0 posto de
almirante, 0 mais alto grau hierárquico, cabendo a direção
a Antonia Francisca de Paula, irmã do novo mestre. A partir
de então e até 15 de Novembro de 1979 esteve a frente da
Marujada, como seu mestre, Joaquim Francisco de Paula,
mais conhecido por Joaquim Polia ou simplesmente Po1ia-
alcunha que herdou de um irmão portador de doença de pele
denominada popularmente <<po1ia». Polia recebeu dc João
Teodoro, que era, como dissemos, filho de Jofio Caranguejo, a
incumbência dc, por sua morte, exercer a função de mestre.
Morto Manoel Teodoro, estava já marcado: Joaquim Polia
seria 0 seu substituto, saindo dessa forma das mãos dos
Caranguejo, e passando aos Labatut, o comando dos marujos.
Conta a tradição, e assim nos relatou dona Antonia, que
Polia se manteve refratário de inicio a fazer continuar saindo
a Marujada, até quando lhe sucedeu desmaiar, acometido de
mal súbito, no cemitério local onde trabalhava. Ao começar a
falar, o que se lhe ouvira era a afirmação de que a Marujada
deveria continuar saindo, frase esta que, segundo os que a
escutaram, fora dita na própria voz do já falecido Manoel
Teodoro. Diante disso e depois disso, Polia jamais vacilou:
conduziu a Marujada, fé-la desfilar religiosamente todos os
anos até o da sua morte, 1979.
Como convém aos chefes de dinastia, Polia preparara e
indicara o seu sucessor: José Carlos Francisco de Paula, mais
conhecido como Santo, um jovem seu neto. José Francisco
de Paula, filho de Polia e pai do novo mestre Santo, não foi,
porém, 0 escolhido. Dona Antonia tem mais uma vez a justificativa:
certa vez Polia repreendeu seu filho José, quando
este era calafate, e desde então ele nunca mais desfilou, nem
como calafate, nem como marujo ao tornar-se adulto. Assim
se explica porque 0 cetro passou dc avo a neto, estando ainda
vivo 0 filho.
Os membros da família dos Caranguejo atualmente pouco
se interessam pela Marujada, na afirmação de nossa informante.
De todos a que maiores ligações mantém é Joventina Vicente
de Deus, Caranguejo de descendência e mulher do atual
contra-mestre Antonio Ciriaco, mais conhecido por Leitoa
ou Bute.
A Marujada de Jacobina esta, pois, sob a <<dinastia>> dos
Labatut: um Labatut por mestre, uma Labatut como diretora.
Os marujos continuam saindo, a tradição continua mantida,
os santos da devoção dos negros não deixaram de ser homenageados
apesar das dificuldades que a Vida atual impõe a
cada um e ao grupo como um todo, dificuldades manifestadas
por dona Antonia ao dizer em tom de desabafo: <<Os marujos
nunca tiveram uma sede, nunca receberam auxilio. A (mica
coisa que receberam foi um fardamento completo. O marujo
é uma tradição, não é para acabar. Tem de passar de um
para outro». E isto é o que esperamos, para que ao ouvirmos
dos marujos, a cada ano, o seu
<<Arritiremos, arritiremos,
sem mais demora.
Todos contentes,
vamos embora»,
tenhamos a certeza de que, contentes também nos, voltaremos
a ouvi-los e vê-los nos anos que virão.
                                                    
Referência:
CARDOSO, Suzana Alice Marcelino. A Marujada de Jacobina. Disponível em: <http://www.fl.ul.pt/unidades/centros/ctp/lusitana/lusitana5.htm>. Acesso em: 24 janeiro 2011.


Atualidade

             Entrevista cedida em pelo atual Almirante da Marujada de Jacobina: José Carlos Silva de Paula.    _______________________________________________ Atualmente, conserva-se a tradição das duas grandes dinastias da marujada, as famílias Labatut e a Caranguejo. José Carlos Silva de Paula ocupa o maior cargo da hierarquia na Marujada o de Almirante ou Mestre, ele, assim como outros dois membros são descendente da família Labatut, o seu neto Rômulo Vinicius que sai como Mestre Mirin e  seu primo que toca pandeiro. Quanto a família Caranguejo sai apenas um membro, o Capitão Edvaldo.  
No grupo é permitido apenas a participação de homens, somam 40 integrantes, em um caso excepcional a neta do Mestre José Carlos, Valquíria, desfilou ao lado do seu avó como Mestre Mirin, mas devido as polemicas geradas, o grupo optou por conserva a tradição.  O neto do Almirante, Rômulo Vinicius é quem acompanha o mestre e que será seu futuro sucessor.
Os demais cargos podem ser ocupados por qualquer pessoa da sociedade q tenha interesse em participar da festa folclórica, no entanto os cargos maiores são dados aqueles que participam da Marujada há mais tempo.
A cede da marujada localiza-se no bairro da Missão, local onde acontecem os ensaios paras as apresentações nas festas religiosas de Santo Antônio e São Benedito e de onde eles iniciam o seu percurso nessas datas festivas até a Igreja da Matriz onde acontecem mais apresentações do grupo, cantando as músicas que são entoadas a século, bem como canções que foram compostas em anos mais recentes junto com os falecidos Padre Alfredo Hasley e o Locutor Amado.
A Marujada de Jacobina conta com o financiamento do Governo Federal para despesas como, roupas, fogos para os festejos, instrumentos, etc..
Turistas, bem como pesquisadores, interessados na história da festa folclórica procuram os membros da Marujada para conhecer melhor essa cultura. O grupo também já se apresentou em outras cidades levando a cultura de jacobina para outras localidades. Embora outros lugares também tenham a Marujada, cada uma apresenta suas particularidades como é o caso de Jacobina que tem sua singularidade.
FONTE:  www.cidadedoouro.com.br

3 comentários:

  1. Quando vocês citam "Valquiria neta do Mestre..." Eu não sou neta,eu sou FILHA.

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    1. Olá Valquíria, quero lhe agradecer pela correção e dizer que é um prazer enorme uma pessoa da história citada está lendo esse trabalho que foi desenvolvido em sala de aula no ano de 2011 e, com o auxílio da Professora Joseane, trouxemos a público com o objetivo transpor da sala o debate ocorrido e informar aos leitores sobre o conteúdo, já que tivemos muitas dificuldades com material para dar suporte a este. Grande abraço da turma de Geografia. Ricardo Menezes

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  2. Boa noite! Gostaria de saber qual o ano das duas primeiras imagens em preto e branco?

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